Entrevista by Revista Gay Times – Junho/21

Conforme já publicamos aqui, Adam é capa da Revista Gay Times do mês de Junho. Confira agora a entrevista traduzida:

Entrevista com Adam Lambert: “A ideia de comunidade é mais importante do que nunca”

O popstar americano fala da visibilidade LGBTQ+ na música e da necessidade de todos se solidarizarem com nossos irmãos trans.

“Estou tão animado com o que Lil Nas X fez”, disse Adam Lambert ao telefone. “Só acho que é hora de termos alguém lá fora sendo exatamente quem é.”

O cantor e compositor americano está cheio de paixão e orgulho pelo mais recente superstar queer da cultura pop, elogiando-o por ter construído uma carreira musical frutífera e bem-sucedida como um homem assumidamente gay.

É algo que Adam conhece muito bem. Quando ele foi levado à fama após sua memorável corrida no American Idol em 2009, Adam teve que navegar sendo assumidamente homossexual enquanto cultivava uma carreira de sucesso que não ofenderia a América Central. Mais de 10 anos depois, com milhões de discos vendidos, tendo feito turnês pelo mundo e acabado de lançar sua própria iniciativa filantrópica para ajudar as pessoas LGBTQ+ chamada Feel Something Foundation, diríamos que ele fez um trabalho decente ao fazê-lo.

Enquanto ele enfrentou um solavanco em forma de pandemia global na estrada ao lançar seu quarto álbum de estúdio Velvet em Março passado, Adam não deixou que os planos de turnê cancelados o derrubassem. Em vez disso, ele se lançou em novos projetos criativos e procurou outros músicos LGBTQ+ para iniciar uma conversa sobre como é ser uma pessoa queer na indústria musical e os desafios que isso traz. Isso levou à parceria da Feel Something Foundation com o Stonewall Day em 6 de Junho, com Adam fazendo a curadoria de uma programação muito especial de apresentações musicais, além de apresentar o evento.

Conversamos com a estrela para falar sobre a importância de apoiar as questões LGBTQ+, a explosão de talento queer que vimos surgir nos últimos anos e por que é fundamental que a comunidade se reúna para lutar e proteger os direitos das pessoas trans.

Como foi para você o último ano em lockdown?
Obviamente, a pandemia é terrível e realmente trágica e prejudicou as pessoas financeiramente, também em questões de saúde e questões de desemprego; mas colocando todas essas questões de lado, obrigou todos a desacelerar um pouco e reavaliar suas prioridades. Pelo menos é como me sinto. Eu acho que há um lado positivo nisso tudo. Eu sinto que há certas coisas que eu considerava certas antes e que não vou dar como certas agora.

Profissionalmente, você lançou seu quarto álbum Velvet assim que entramos no lockdown em Março passado. Como você lidou com isso na época?
Foi um pouco chato! Eu tinha muitos planos para promover o álbum e uma turnê planejada. Foi tudo cancelado e eu tive que chorar pela perda desse projeto. Ao mesmo tempo, percebi que isso não era tão importante quanto a saúde das pessoas. Eu me senti um pouco culpado, até mesmo por me sentir mal com relação aos meus planos, porque obviamente não é importante assim numa visão mais geral das coisas. Tudo isso me balançou por um tempo, mas depois superei e decidi seguir em frente e ser criativo. Então comecei a trabalhar em um novo projeto.

Esse novo projeto era especificamente músicas novas?
Estou trabalhando em um musical. Estava em andamento um pouco antes da pandemia, mas o que descobri estando tanto tempo em casa é que eu pude realmente me concentrar nisso. Eu fiz muitas sessões de composição por Zoom com alguns compositores e produtores incríveis. Estar no Zoom não é tão mágico quanto estar na mesma sala com outras pessoas, mas escrevemos algumas grandes canções. Então o musical está bem adiantado e estou muito animado com isso. É algo que ainda não posso revelar exatamente do que se trata, mas em algum momento, que não deve demorar tanto, poderei falar sobre isso.

Você também se ocupou este ano com a curadoria do Stonewall Day e estará apresentando este evento. Você pode nos dar uma ideia do que podemos esperar?
Tenho uma fundação chamada Feel Something Foundation, e estamos realizando vários projetos diferentes ao longo do último ano. Fiz colaborações com várias instituições de caridade ao longo dos anos, mas senti que era hora de montar minha própria organização. Arrecadamos dinheiro, fizemos parceria com algumas instituições de caridade e grupos de apoio incríveis, e é tudo voltado para LGBTQ+. Eu queria me conectar com outras pessoas queer na indústria da música porque eu sei que quando comecei há 10 anos, foi como entrar em um mundo selvagem. Não havia muitos de nós fazendo realmente sucesso. Foi uma corrida de obstáculos. Eu não tinha tantos exemplos de como fazer as coisas, e foi uma grande aventura. Dez anos depois, posso ver que houve muito progresso e há muitos outros artistas queer por aí hoje (estão muito mais visíveis hoje). Agora temos permissão para entrar nesse espaço. Eu só queria me conectar com outras pessoas, então cerca de seis meses atrás nós fizemos um simpósio online onde nos reunimos e conversamos. Foi um painel muito diversificado e discutimos como é ser queer na indústria musical, as questões queer em si, a interseccionalidade, os desafios que enfrentamos nesta indústria e nossas experiências com o lado comercial dela. Mais importante, falamos sobre o fato de que agora existe uma comunidade real dentro da indústria musical, e cabe a nós criar e apoiar uns aos outros nessa comunidade. A Feel Something Foundation quer continuar essa conversa; então, quando chegou o Stonewall Day, ficamos muito animados em fazer parceria com eles e criar um show com algumas das pessoas com quem falei. Existem alguns artistas emergentes e alguns mais estabelecidos, e eu sinto que precisa haver mais oportunidades como essa para artistas queer. Não somos apenas participações especiais dentro de um evento, mas podemos ter um evento onde o foco é queer e a participação especial é de um aliado! Não seria incrível ter um festival de música totalmente LGBTQ+? Eu sinto que é apenas uma questão de tempo.

Isso é o que qualquer formação do Pride deveria ser; deveria ser principalmente com artistas LGBTQ+.
Sim, eu gostaria de ver a maioria do line-up ser gay. Todos nós amamos nossos aliados e eles são muito importantes. Também acho que agora estamos em um momento de virada em que você pode se perguntar: ‘Será que esses aliados estão tomando parte apenas para mostrar o quanto são solidários? Será que eles são realmente nossos aliados? Acho importante perguntar isso. Ou será que estão fazendo por publicidade e esse é o ponto principal? Temos grandes aliados por aí, então se eles realmente são nossos aliados, venham e juntem-se a nós!

Houve uma explosão de talentos musicais LGBTQ+ nos últimos anos…
Há muito talento! E é uma gama muito diversificada de talentos também – entre gêneros, filosofias, e é algo muito animador para mim. Mas também acho que é generalizado na indústria do entretenimento. Estamos vendo muito mais atores queer aparecerem. Então estamos vivendo uma época onde não é mais necessário pedirmos permissão. É uma época onde as pessoas criativas queer merecem os holofotes. Também sinto que cada vez mais conseguimos ter autonomia, e acho que isso é realmente importante. Não precisamos dos salvadores héteros para nos salvar! Estamos bem e estamos indo muito bem.

Quando você tem um homem assumidamente gay como Lil Nas X abraçando totalmente sua sexualidade em sua música e visuais e é o maior sucesso do mundo no momento, eu acho que isso mostra que estamos indo na direção correta.
Estou tão animado com o que Lil Nas X fez. Só acho que é hora de termos alguém lá fora sendo exatamente quem é. O que adoro no que ele está fazendo não é apenas dizer a estatística de uma pessoa queer com tantos streams e tudo mais, mas também adoro o tom do que ele está fazendo. Finalmente está desafiando os padrões duplos. Temos artistas heterossexuais criando esse tipo de entretenimento e nos acostumamos com isso nos últimos 25 anos, mas quando se tratava de artistas gays, tínhamos que diminuir o tom ou ter certeza de que não era muito sexualizado ou agressivo, e tinha que ser seguro e fácil de digerir. O que Lil Nas X está fazendo é ser uma estrela do rock sobre isso. Ele está sendo subversivo e isso é ótimo.

Sempre houve um nível aceitável do quanto você podia ser gay mas você não podia ir contra os “valores tradicionais” de uma maneira muito aberta; então eu adoro o fato de Lil Nas X ter acabado com essas regras.
O que ele está dizendo completamente é: ‘Você pode me aceitar ou não’ (Me aceite como eu sou ou vá embora). Para mim, o que durou mais tempo foi ‘Posso me identificar como gay, mas não posso mostrar’. Não em um ambiente de mainstream. O que Lil Nas X está fazendo é, ‘Estou me identificando, estou mostrando, estou falando sobre isso tão honestamente como faria com meus amigos em uma pista de dança.’ Eu acho que é tão bom e tão real.

É tão sem pedir desculpas.
Sim, é muito rock and roll. Eu amo isso e acho que ele é realmente revolucionário nesse aspecto. O que é interessante é que vários de nós tentamos ou queríamos fazer algo nesse sentido, mas não era o momento certo. As pessoas ainda não estavam prontas. A indústria não estava pronta, o público não estava pronto, e acho que isso é parte da mágica do que ele está fazendo; estamos no momento certo e estamos no ápice do momento que a sociedade está pronta para apoiar este tipo de coisa. Há muita gente disposta a apoiar este tipo de performance e pessoas prontas para gostar disso; então ele pode fazer isso e não vai ser o fim da carreira dele. Muitos de nós definitivamente tentamos derrubar as barreiras. Fiz isso no início da minha carreira e tive um grande problema por isso.

O grande exemplo é quando você beijou seu guitarrista no palco e isso se transformou em uma grande coisa. Foi literalmente apenas um beijo!
Isso! Tempo é tudo. Ao mesmo tempo, vamos ser honestos, ele acabou tendo o número um com o álbum “Old Town Road”. Foi um recorde gigante e, neste setor, se você tiver sucesso, a porta se abrirá mais. Você tem mais margem de manobra. O que me impressiona é que ele sabe isso e ele está usando isso muito bem e para fazer o bem. Eu amo isso.

De volta ao Stonewall Day; seu foco é aumentar a conscientização sobre questões LGBTQ+ e história queer. Como foi sua jornada para aprender mais sobre a história queer e aqueles que vieram antes de nós?
Aprendi mais e mais com o tempo. Eu sou uma espécie de nerd de história! Adoro assistir documentários e filmes históricos, então acho que estou em algum lugar no meio. De muitas maneiras, transmitir nossa própria história tem sido um pouco nebuloso para muitas pessoas porque grande parte da comunidade teve que se esconder por muito tempo. As coisas tinham que ser secretas. Quando você pensa sobre a epidemia de AIDS, isso levou embora muitos de nossos idosos. Portanto, havia uma espécie de elo que faltava em termos de transmitir sabedoria e ser um irmão mais velho para a próxima geração. Tive a sorte de falar com pessoas queer que existiam antes da AIDS e viveram para nos contar sobre isso. Como uma pessoa gay, é muito bom procurar essa informação e tomar a iniciativa de aprender sobre isso. O que é bonito é que, como há muito mais mídia e entretenimento queer, estamos recebendo muitas dessas histórias. Pense na série It’s a sin. Que série brilhante aquela. Também estamos ampliando a narrativa. Por muito tempo, o que vimos em termos de representação queer na grande mídia era puro clichê. A pessoa gay ou era a piada ou era a vítima. Agora eu sinto que estamos vendo mais personagens tridimensionais. Em relação ao Stonewall, o que realmente abriu os olhos de muitos de nós ao longo da última década, é perceber que essa revolta foi liderada e iniciada por mulheres negras queer e trans. Com toda a discussão sobre questões raciais e trans agora, é realmente muito importante perceber isso. O movimento pelos direitos gays foi iniciado por mulheres trans negras e mulheres latinas trans, e precisamos celebrar isso. Essas pessoas foram líderes monumentais e revolucionárias, e devemos demonstrar o nosso afeto por elas.

Como nós sabemos, ainda há muito trabalho a ser feito. Só nos Estados Unidos, estamos vendo tantos projetos de lei contra os trans sendo propostos que é inacreditável. Você fica chocado com a quantidade de legislação que está sendo apresentada e que prejudica a juventude trans?
Estou muito triste com isso, mas não estou exatamente chocado. Isso é uma reação ao fato de que as coisas estão mudando. Nós estamos em um momento de virada, então temos que perceber que ao mesmo tempo que existe muito ódio e muita oposição ao movimento trans; ao mesmo tempo existe muito apoio também. Essa é a razão pela qual estamos tendo essa reação. As pessoas estão lutando pelos seus direitos e há um movimento real acontecendo. Isso vai levar algum tempo, vai ser difícil e vai demorar um pouco para conseguirmos equilibrar, mas acho que só temos que continuar lutando.

Foi incrível ver o presidente Biden reafirmar seu compromisso com a comunidade trans e oferecer apoio vocal a essa causa.
É exatamente disso que estou falando. O fato de o presidente apoiar isso está criando muito medo nas pessoas que se opõem a ele.

Como um homem gay, você deve concordar que precisamos apoiar a comunidade trans mais do que nunca durante este tempo.
Com certeza! Quando ouço histórias de gays, especialmente homens gays, que são contra os trans, eu fico tipo, ‘Que porra há de errado com você?’ Sim, não somos todos iguais, mas fazemos parte da mesma comunidade. A ideia de comunidade é mais importante do que nunca. Infelizmente, estamos no ponto em que, pelo fato de sermos mais populares nas mídias sociais, o conceito de comunidade está sendo ameaçado. Eu sinto que a única maneira que temos de avançar é nos unirmos. Temos que usar nossa empatia e estar ao lado da comunidade trans. Você também percebe que neste momento nos Estados Unidos, existe um movimento do Black Lives Matter e isso se cruza um pouco com o que está acontecendo com a comunidade trans. Existe um grupo dentro de nossa própria comunidade que está sob ataque, e isto precisa estar em destaque e precisa do nosso apoio. É onde o nosso foco tem que estar agora.

Observação by Denise: para quem não entendeu porque o Lil Nas X foi citado na entrevista e não viu o vídeo que causou tanta polêmica, aqui está o link.

Autoria do Post: Josy Loos
Tradução: Marisa Gil
Agradecimentos: Denise Scaglione
Fontes: Gay Times, Adam Lambert/Twitter e Adam Lambert/Instagram

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