Jornal The Independent de Londres entrevista Adam – Jun/2019

Adam Lambert: “Madonna está sendo criticada por sua música, não por ser sexual aos sessenta anos”

Exclusivo: O substituto de Freddie Mercury no Queen fala com Douglas Greenwood sobre seu próximo álbum, ‘Velvet,’ astros do pop ‘twinks,’ e como a ‘caça primal’ dos homens gay por sexo começou bem antes do Grindr

Dez anos atrás, Adam Lambert cantou “Bohemian Rhapsody” para sua audição no American Idol. Ele foi rotulado de “teatral” por Simon Cowell, mas passou o resto da temporada acumulando uma enorme base de fãs na classe média Americana. Quando Brian May e Roger Taylor do Queen apareceram para tocar “We Are The Champions” ao vivo na final, Lambert fez um dueto nos vocais com o vencedor Kris Allen. O vice-campeão viria a ser o verdadeiro vencedor, quando em 2011 ele assumiu como frontman da banda, como Queen + Adam Lambert, e eles vêm esgotando estádios desde então.

“É claro que eu senti a resistência das pessoas nos últimos 10 anos”, Lambert me disse, segurando uma taça de vinho rosé no lounge de seu hotel em Londres. “Por que ele está fazendo isso? Freddie é melhor!”, ele imita seus pessimistas com um movimento de seus dedos cravejados de joias, “e é tipo, sim, é claro que Freddie era melhor. Ele é Freddie Mercury!”

Ele está muito consciente, também, que foi a trágica morte de Mercury em decorrência da Aids em 1991 que lhe deu essa chance. “Eu gostaria de não ter que fazer isso, você sabe, mas foi o jeito que o universo me entregou esta carta.”

Lambert foi um encaixe perfeito. No American Idol, ele canalizou o tipo de comportamento que os músicos lutavam para exibir desde a morte de Mercury. E como o intérprete original do Queen, ele também tinha uma vida que as massas desconheciam.

A primeira vez que Lambert se assumiu, foi um assunto bastante simples: um californiano de 18 anos, com mentalidade musical, ansioso para explorar o lado gay de West Hollywood, disse a seus amigos e pais que era gay. Nove anos depois, Lambert teria que fazer isso de novo. Só que desta vez foi na capa da revista Rolling Stone, logo após o American Idol terminar.

Nos meses anteriores a essa revelação pública, na qual Lambert, em suas palavras, “confirmei que eu estava fora [do armário]”, especulações sobre sua sexualidade dominaram tabloides e blogs de fofoca. Olhando para trás, a estrela tem uma perspectiva diferente sobre a controvérsia “ele é ou não é?”

“Para esclarecer”, ele anuncia, levantando as duas mãos. “Ninguém me pediu para reprimir [minha sexualidade no Idol], e eu não acho que fiz isso!” Uma história de estrelas reprimidas, com medo da reação do público, nos ensinou a assumir o contrário. “Eu olho para trás e penso, isso é estranho, [porque] eu assumi quando tinha 18 anos e fiz o Idol quando tinha 27 anos. Passei os anos no meio disso sendo muito gay.”

“Se [o apresentador] Ryan Seacrest tivesse me perguntado sobre minha sexualidade, eu teria sido um livro aberto”, continua ele. “Talvez no fundo eu soubesse das atitudes dos Estados Unidos e da mídia naquela época, e eu só queria me concentrar na tarefa em mãos para conseguir meu contrato com a gravadora.”

Funcionou. Logo após o show terminar, ele assinou um contrato com a RCA nos Estados Unidos, lançou um álbum de estreia calorosamente recebido e, três anos depois, liderou a Billboard 100 com o seu seguinte, “Trespassing”. Ele foi o primeiro artista masculino abertamente gay (“Essa frase me arrebenta!”, ele ri) na história das paradas americanas para fazê-lo.

Esse fato é frequentemente negligenciado no discurso do pop “queer” contemporâneo, um subgênero musical que experimentou um pico de sucesso nos últimos três anos. Muitos de seus representantes mais famosos hoje – seja Sam Smith, o astro synth-pop australiano Troye Sivan ou o vocalista do Years & Years, Olly Alexander – poderiam ter sofrido para encontrar apoio como homens abertamente gays na música mainstream se Lambert não tivesse feito tudo primeiro. No Reino Unido, temos Neil Tennant do Pet Shop Boys e Elton John, dois homens gays que discutiram sua sexualidade mais tarde em suas carreiras; a música de ambos os artistas sofreu um golpe comercial depois que eles se assumiram. Na verdade, apenas Smith conseguiu uma invejável presença nos EUA como estrela pop solo gay desde então. Mas a ideia de assimilação pelo mundo hétero da música masculina, uma necessidade para alguns, não era interessante para ele. Lambert queria ser “tão gay que me causou problemas”.

Um chocante beijo gay na tela durante sua apresentação no American Music Awards em 2009 causou “indignação” entre os membros conservadores do público; A ABC supostamente recebeu 1.500 reclamações. “Espero não ter me martirizado naquele momento”, ele diz refletindo, mas está feliz que a controvérsia seja parte do passado. “Estou feliz de estar no jogo 10 anos depois, onde minha sexualidade não me precede. É só quem eu sou.”

O que nos leva a explicar por que estamos aqui hoje para discutir o novo álbum de Lambert, “Velvet”, que deve ser lançado em Setembro. Já se passaram quase cinco anos desde seu último álbum, “The Original High”, uma coleção implacável de EDM brilhante produzido pelos mestres do pop Max Martin e Shellback, e uma mudança sônica ocorreu. As faixas de “Velvet” que Adam me deixa ouvir – como o single “New Eyes” – parecem mais robustas e expressivas do que o trabalho anterior, como se fossem feitas por um homem cansado de pular pelas tendências.

Ele chama suas inspirações de “uma combinação do passado… e uma alternativa contemporânea”, creditando a descoberta de Al Green, Brian Eno e Prince quando criança juntamente com a exposição a grupos como Jungle e The Black Keys. “Eu estava cansado de EDM”, diz ele, admitindo que “playlists alternativas” em serviços de streaming foram uma tábua de salvação no processo de produção. “Eu ouvi coisas que eu nunca tinha ouvido antes, e isso me fez perceber o quanto eu sentia falta da música blues e funk tocada com instrumentos reais. Percebi que queria mudar e entrar neste mundo que eu ouvi a vida toda.”

Essa mudança de marcha decorre, ele insiste, de uma aversão ao “jogo” – uma frase que Lambert usa várias vezes durante nossa conversa para descrever o desejo desesperado da indústria da música de reproduzir sons que levaram ao sucesso no passado. É um modo de pensar arcaico que funciona para alguns, mas para artistas nas margens do pop geralmente faz com que seu trabalho pareça insincero, como se fosse feito por outra pessoa. “Tirou o prazer de tudo”, Adam suspira. “Eu senti que estava tentando ser algo que não era eu. No final do dia, se seguir meus instintos significa que não sou tão popular, que se dane. Eu só quero fazer música que eu goste, que eu possa subir ao palco e me apresentar e não pensar demais.”

Os homossexuais mais dominantes presentes no planeta pop hoje em dia têm uma coisa em comum, e Lambert percebeu isso. “Você leu aquele artigo… ‘É o ano do twink‘?” É um ótimo artigo.” O artigo da Revista T ficou semi-viral no ano passado, depois que destacou a fascinação do público por tipos de galã jovens e sem pelos, sejam eles gays ou heterossexuais. Olly Alexander respondeu chamando a frase de “míope”. “Há um ponto aí”, continua ele, “os Troye Sivans e Olly Alexanders. Estou empolgado com o fato de eles estarem expandindo as coisas, e eu assisti com alegria e contentamento, [mas] é um padrão duplo com, você sabe…”, ele hesita, ansioso para fazer isso direito. “Precisamos abraçar pessoas queer de cor e colocá-las no mesmo campo de jogo, porque é onde estamos. Você vê isso se movendo lentamente, mas precisa se mover mais rápido”.

Estamos no meio do mês do Orgulho, uma celebração anual da comunidade LGBT+ que dá esperança a Lambert, da mesma forma que o lembra do trabalho duro que ainda precisa ser feito. Já se passaram 50 anos desde Stonewall, e ainda assim os direitos da comunidade são moeda para políticos e empresas conglomeradas, usando coercitivamente a bandeira do arco-íris como um atalho ao invés de ações genuínas. Eu me pergunto se, como muitas outras pessoas queer, Lambert vê a liberação queer como um tipo de mito.

“Acho que temos que nos agarrar a uma visão idealista, caso contrário, como vamos manter a esperança?”, pergunta ele. “Se não, todos desistiremos e ficaremos indiferentes. Precisamos continuar pressionando, senão todos os fanáticos vão ganhar! E não podemos deixar que isso aconteça”. Ele diz que aprendeu muito sobre como falar com seus amigos trans (mulheres trans ainda são desproporcionalmente discriminadas; cinco mulheres trans negras foram assassinadas no mês do Orgulho até agora). Há também a questão da divisão internalizada. “O que é interessante também é que, mesmo dentro da cultura gay, houve segregação, racismo, classicismo e todas essas coisas”, ressalta. “Isso me incomoda.”

Lambert está em um relacionamento com o modelo Javi Costa Polo, que ele conheceu no Instagram, desde o início deste ano. Quando você o menciona, ele sorri como uma criança; o primeiro single “New Eyes” é inspirado por ele. Encontrar o amor, eu sugiro, o teria tirado de parte desse fanatismo. Os aplicativos de namoro online, como o Grindr, são locais de proliferação para o tipo de linguagem excludente (“Sem gordos, sem femmes”) que mostra a experiência de pessoas queer com ódio internalizado. Ele já usou essas plataformas? “Ah sim, eu definitivamente mergulhei nisso!”, ele diz (eu ainda não conheci uma celebridade gay que não tenha), mas a cultura de perseguir sexo online é definitivamente parte de seu passado. “Um amigo meu postou algo outro dia, ‘Muito obrigado Grindr por nos tornar todos viciados em sexo superficial’. Ele tem razão, mas é mais jovem e eu queria dizer a ele, [sexo casual] sempre foi um [componente chave] do homem gay.”

Lambert completou 18 anos em 2000, antes que o Grindr e os apps de pegação existissem. Ele experimentou os dois lados da cultura. “Não era um aplicativo antes, era navegar por bares ou becos; a mesma caça primal em nível superficial. Se trabalhar com o visual te excita – ver um torso e encontrar uma fantasia nisso, e ter um ótimo sexo – ótimo! Bom para você. Eu não estou julgando isso. Mas eu, pessoalmente, cheguei a um ponto em que percebi, depois de um tempo da emoção do sexo, eu acho que você precisa começar a procurar um pouco de profundidade. Cada um com seu cada qual. Eu não julgo.” Suas mãos estão levantadas. “Mas para mim, pessoalmente, agora é preciso haver um espírito conectado.”

Seja você um homem branco gay, uma pessoa queer de cor ou, digamos, uma mulher que continua sexualmente liberada em seus 60 anos – qualquer indício de “diferença” no mundo pop, automaticamente abre você para o escrutínio público. Eu me perguntei se Lambert – um músico gay que foi evitado por uma subseção de sua própria comunidade, talvez por ser efeminado, barulhento, chamativo ou talvez apenas por não se encaixar no molde problemático que a maioria dos homens gays escolhe perseguir – aprendeu a lidar com a retaliação.

Madonna, um dos ídolos de Lambert, é um verdadeiro ícone, mas ainda está lidando com uma represália do público por sua atitude positiva e de sexo livre quatro décadas depois de sua estreia. “Sou fã de longa data de Madonna, com certeza – mas aqui está a minha pergunta”, ele repete que é uma “pergunta” válida, três vezes, para garantir que ele não esteja se colocando em apuros: “Será que é por isso? Ou ela está sendo rejeitada por causa da música que está fazendo? Eu amo que ela se reinventa. Eu a amo, e acho que ela é brilhante”, ele insiste, “e acho que a estão criticando um pouco, mas não porque ela é uma mulher sexual e forte.” Ele acha que é porque ela é uma mulher forte e sexual na casa dos 60 anos? “Não, eu acho que é porque ela está fazendo a música de 2019 que não combina com seu legado, talvez. Mas eu tenho que reconhecer que ela está indo com tudo, e ela é corajosa e confiante.”

A experiência de Lambert de ser enganado pela indústria da música se correlaciona quase perfeitamente com sua identidade como fã de música pop que sabe o que uma base de fãs deseja. O que ele diz sobre Madonna não está enraizado em desdém, mas em uma conexão comum; ele também sabe o que é sentir-se envolvido na indústria da música por aqueles que afirmam saber mais. “Eu não quero perceber nunca que um projeto em que estou trabalhando, sou eu tentando muito estar na moda ou ser legal, jovem ou qualquer coisa assim”, diz ele. “No final do dia, vou dormir melhor à noite sabendo que fiz um álbum que eu gosto e que é fiel à minha experiência. Todo mundo tem seu próprio relacionamento com sua própria carreira e com a indústria da música, mas pessoalmente, eu joguei o jogo. Eu não terminei de jogar; [minha] música ainda é música pop – mas está aqui.” Seus dedos estão pressionando o peito. “Está no meu mundo e me sinto bem com isso.”

Quando sua publicista entra na sala para me avisar que nossos 45 minutos juntos acabaram, Lambert pede mais cinco. Ele nunca, para o bem ou para o mal, termina realmente de falar.

Eu pergunto como a turnê com Brian May e Roger Taylor informou o processo de gravação de seu novo álbum, mas os vê mais como companheiros de banda do que como mentores. “Estou tentando dar o exemplo, em vez de eles me dizerem: ‘Sente-se jovem, vou lhe ensinar uma lição!'” Ele balança o dedo, fazendo sua melhor impressão de rockstar-professor. “Assistir à maneira como eles não se importam com as pequenas coisas, ouvir suas histórias e entender sua experiência tem sido muito valioso, especialmente em termos do negócio da música. Eu expresso minhas frustrações e preocupações, mas eles vêm de um tempo diferente. Isso me lembra que [a indústria] vai mudar de novo.”

Ainda parece um momento me belisque? Ele balança a cabeça sorrindo. “Especialmente dadas as circunstâncias. [Coisas como] o Oscar, o Rock in Rio… nós fazemos essas performances memoráveis e eu fico tipo, como consegui esse trabalho? Eu estou muito feliz, e me sinto grato e honrado por carregar essa tocha para o Freddie.” Você pode ver que ele está falando sério. “Eu gostaria de conhecê-lo. Eu queria que ele estivesse aqui. Sempre que eu encontro qualquer tipo de obstáculo nessa jornada, eu digo: ‘O que Freddie faria? Ele não daria a mínima, então por que eu deveria?’”

O tempo realmente está acabando, e com isso Lambert deixa o saguão do hotel – sem estardalhaço – e é levado a um táxi esperando do lado de fora. Ele é um homem endurecido por uma indústria que tanto o recebeu de braços abertos quanto o trata como se fosse algo do passado; um tributo. Mas além de tudo isso, ele se manteve fiel a si mesmo e causou uma cena necessária, ao mesmo tempo em que faz a música que o deixa feliz. Eu acho que Freddie Mercury teria gostado dele.

Autoria do Post: Josy Loos
Tradução: Stefani Banhete
Fonte: The Independent

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