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14jul2018
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[ENTREVISTA] The Guardian: Adam Lambert: ‘Agora há uma audiência para mim, sendo exatamente quem eu sou’
Michael Cragg do Jornal The Guardian também entrevistou Adam no final de Maio em Londres. Confira a seguir a entrevista:
Adam Lambert: ‘Agora há uma audiência para mim, sendo exatamente quem eu sou’ A confusão sobre sua sexualidade em 2009 destaca como as atitudes mudaram em uma década. Antes de uma turnê europeia com o Queen, o cantor recorda o preconceito e como ele ajudou a mudar o pop
por Michael Cragg
Apesar de estar vestido como o arquetípico do roqueiro americano – óculos de aviador amarelo, luvas de couro preto sem dedos e topiaria facial imaculada – o ex-participante do American Idol e vocalista adotado do Queen, Adam Lambert, está contando a história menos rock’n’roll de todos os tempos. Na noite anterior à nossa entrevista, ele foi mantido acordado em um hotel londrino por uma “festa de arrasar” no quarto ao lado. “Eu liguei quatro vezes, e eles não fizeram nada”, ele bufa, tentando acomodar seu tamanho nada desprezível em uma pequena cadeira no escritório de seu relações públicas. “Acabamos de descobrir que era uma celebridade”, acrescenta ele, recusando-se a citar nomes. Ele está aqui para uma rodada de imprensa antes da turnê Europeia com o Queen, e nesse momento ele é meio cosplayer de roqueiro, meio octogenário privado de sono.
Nós falamos sobre envelhecer. Lambert tem 36 anos, tendo iniciado sua jornada pop em 2009, na oitava temporada do American Idol. Ele gosta de certas coisas sobre estar em seus 30 anos. “Eu me entendi bem. Eu entendo quem eu sou. Eu posso chamar minha própria atenção, mas cara, essas ressacas duraram muito tempo, não é?” Ele gargalha, como faz frequentemente. “Eu sinto a minha idade, mas de certa forma, é um pouco como Peter Pan. Eu me fantasio e canto pra viver.”
Quando criança, crescendo na Califórnia, ele foi inspirado a se fantasiar e cantar por “Bowie e Freddie e Boy George”. Lambert – autoproclamado “estranho” – encontrou consolo no teatro musical. “Quando eu estava no ensino médio, eu não tinha amigos. Eu era uma criança estranha. Além disso, como uma pessoa gay, é preciso que seu corpo mude para você entender: ‘Ah, é por isso que eu sou diferente’.” Com 18 anos, pouco depois de se formar no ensino médio, ele se assumiu para sua família e amigos. Eventualmente desistindo da faculdade e mudando-se para Los Angeles para viver sua fantasia de ser um artista. Um período de 10 meses em um navio de cruzeiro foi seguido por um papel ao lado de Val Kilmer em “Os Dez Mandamentos: O Musical”. Em 2008, ele fez o teste para o American Idol, cantando – um tanto profeticamente – “Bohemian Rhapsody” do Queen. Graças aos seus vocais capazes de descascar tinta e presença de palco que dispensa cenários, ele se tornou um favorito. No final, ele terminou vice-campeão para o decididamente mais sem graça Kris Allen, um resultado chocante que parecia ter sido influenciado pelo surgimento de fotos de Lambert, que não havia discutido sua sexualidade no programa, beijando seu ex-namorado.
As fotos foram manchetes, com o comentarista conservador Bill O’Reilly rotulando-as de “embaraçosas” e a Entertainment Weekly colocando Lambert em sua capa sob a manchete “O Concorrente do American Idol Mais Empolgante em Anos (E Não Apenas Porque Ele Pode Ser Gay)” Tendo experimentado uma saída do armário bastante livre de estresse, subitamente era esperado que Lambert o fizesse publicamente, em um dos maiores e mais heterossexuais programas de TV do país, e em um cenário pop muito distante do de hoje, com seus artistas abertamente queer contratados por gravadores importantes.
“Ninguém lhe dá um manual de instruções sobre como ser uma celebridade queer”, diz ele. “Dez anos atrás, não era um caminho muito claro. Eu estava no meio artístico, em Los Angeles, por toda a minha vida adulta, até aquele momento, então minha sexualidade não era um problema”, diz ele. “Então, de repente, eu fiquei tipo: ‘Ah merda, é isso que é homofobia’. Foi um alerta para mim. Foi triste.”
Ele brinca com suas luvas de couro. “Olha, eu não sou burro. Eu assisti American Idol por anos e qualquer um que fosse obviamente gay no show foi ridicularizado – Simon Cowell tirava sarro deles e eles se tornavam piadas. Eu me lembro quando fiz o teste e fiquei preocupado com isso. E então isso não aconteceu comigo e eu fiquei tipo: ‘OK, legal’.” Cowell se referiu à voz de Lambert em seu primeiro teste como “teatral”, uma das muitas descrições codificadas que ele iria ouvir. “Quando comecei a progredir na competição, e com o artigo da Entertainment Weekly, comecei a perceber que minha sexualidade estava se tornando maior do que o que eu estava fazendo, o que, fundamentalmente, eu achava muito errado.”
Um mês após o show terminar, ele confirmou que era gay em uma reportagem de capa da Rolling Stone. “Eu lembro que a imprensa gay me criticou por não me assumir direito ou o suficiente”, ele suspira. “Então eu tive fãs do show dizendo que eles se sentiram traídos. As pessoas diziam: ‘Você não declarou isso no programa’. De fato, mas eu também não sabia que precisava fazer isso. Eu já tinha me assumido.” Em retrospecto, ele poderia ter lidado com isso de forma diferente? “Talvez, se eu estivesse em um relacionamento de longo prazo e tivesse meu parceiro na plateia toda semana, isso teria aparecido, mas não era esse o caso”. Um grande sorriso aparece. “Na verdade, eu tinha um punhado de caras diferentes que eu estava tentando namorar, que eu convidava para o programa em semanas diferentes.” A gargalhada está de volta. “Eu não fui consistente o suficiente!”
Ele se lembra de uma conversa tensa com o chefe de sua gravadora, RCA, depois que ele selecionou a capa obviamente cheia de airbrush, de seu álbum de estreia, “For Your Entertainment”. A preocupação era que ela não se encaixaria “nas prateleiras do Walmart para, você sabe, Suzy e Johnny Homemaker irem comprar”. Ele venceu essa batalha, mas perdeu outra quando foi decidido que uma letra em seu single “Whataya Want From Me”, escrita por Pink, precisava ser mudada de “ele me arrasou” para a mais neutra “isso me arrasou”. No final, ele concordou e a música tornou-se seu primeiro, e até agora único, sucesso nos EUA. “Eu tive que pensar sobre isso – eu me martirizo pela causa e me despeço dessa oportunidade? Foi errado, mas eu queria a minha chance.”
O álbum foi lançado com uma performance polêmica no American Music Awards de 2009, durante o qual Lambert beijou seu baixita. Após reclamações do grupo de defesa da censura “Parents Television Council”, a rede que transmitiu a premiação, a ABC, o tirou de uma aparição no Good Morning America na manhã seguinte. “Houve uma ação pendente contra mim também”, acrescenta ele. Ele acabou indo no The Early Show da CBS para se defender, mencionando o notório beijo do VMA entre Madonna e Britney seis anos antes. Ambos os clipes foram exibidos. “Eles mostraram as mulheres se beijando, então eles mostraram o meu clipe beijando o cara e eles borraram nossas bocas!” Ele se senta ereto. “Houve um borrão digital cobrindo o beijo. Eu fiquei chocado.”
A constante sugestão de que Lambert foi “demais” acabou por afetá-lo, o que levou a um pivô em sua carreira. Seu segundo álbum, “Trespassing” de 2012 – que lhe deu a curiosa honra de ser o primeiro artista abertamente gay a alcançar o primeiro lugar na parada de álbuns da Billboard – foi marcadamente mais sombrio, liderado pela melancólica balada “Better Than I Know Myself”. Sua escolha pessoal de single, “Cuckoo” – uma música eletro-glam marcante – foi descartada por sua agora ex-gravadora como “muito extravagante”. Mais tarde naquele ano, tendo se apresentado com o Queen no MTV European Music Awards, Lambert se juntou à banda para uma turnê de seis datas. “Eu precisava de uma válvula de escape que não me julgasse. Eu precisava estar em um espaço seguro que não me dissesse: ‘Não faça isso, as pessoas não vão gostar disso’. Agora há uma audiência para mim, sendo exatamente quem eu sou. Eu tenho permissão.”
Sua colaboração com o Queen não era para durar tanto tempo (“É o presente que continua vindo”, ele ri) e ele diz que os primeiros shows foram “uma loucura”. “Eu descobri como fazer essas músicas funcionarem para mim. Eu não estou fazendo um papel, estou interpretando do meu ponto de vista e muito do que Freddie estava explorando é algo que estou explorando.” Será que ele se preocupa em ter deixado de lado sua própria carreira – voltando a cantar músicas de outras pessoas pra viver? “Não”, diz ele, ligeiramente agitado. “Não. Eu acho que consegui equilibrar isso. São dois mundos diferentes e duas ideias diferentes, mas, no momento, estou tentando fazê-las a coexistir.”
Compreensivelmente, Lambert pensa muito sobre Freddie Mercury, discutindo com os companheiros de banda Roger Taylor e Brian May o que ele pensaria desse novo movimento pop que viu uma série de artistas queer invadirem o mainstream. “Roger ficou tipo: ‘Acho que ele seria muito aberto e sincero sobre isso, porque é assim que ele era para todos nós’. Sua sexualidade era um tabu apenas na mídia. Mas ele era muito sincero, depois que se entendeu. E pelo que eu descobri, ele era totalmente bissexual. Ele estava brincando em todos os lugares. Eu acho que ele estava à frente do seu tempo.”
Há quem diga o mesmo de Lambert. Em um recente evento em Los Angeles que patrocinou músicos gays, o cantor Parson James disse: “Muitas pessoas o criticaram pelo que ele fez, mas para ser honesto, acho que se pessoas como ele não aparecessem quando as conversas eram tão veladas, então não poderíamos ter pessoas como Troye [Sivan] ou eu mesmo.” Como isso faz Lambert se sentir? “Ótimo”, diz ele. “Isso foi uma coisa muito legal de se ouvir.” Ele se ajeita de novo em sua cadeira. “Eu não entrei nisso para ser um modelo, mas depois, lentamente, percebi que era uma responsabilidade que eu queria. Muito bem que pode vir de se ser um líder e ser sincero.”
Mais tarde naquela noite, Lambert visita o Centro de Jovens LGBT Mosaic no norte de Londres, um espaço que oferece apoio a jovens lésbicas, gays, bissexuais e trans. Enquanto esperamos por sua chegada, músicas do “The Original High”, seu álbum produzido por Max Martin em 2015, saem dos alto-falantes. Pouco antes das 19h, ele chega e espera, meio escondido, do lado de fora da entrada principal. Sua maquiadora corre entre as pessoas para retocar seu rosto, basicamente na rua. A persona do astro do rock que ele vem usando, retorna por um momento.
Isso logo se dissipa, no entanto, quando Lambert entra sem ser anunciado e começa a conversar calorosamente com a primeira fila. Depois de anos sem saber onde ou como ele se encaixa em um mundo pop que cautelosamente abraçou sua sexualidade em teoria, mas aparentemente não na prática, ele finalmente parece confortável. “Eu não quero continuar falando só sobre mim” ele admite, conversando com a multidão enquanto seus óculos refletem a iluminação direta. “Esse não é o objetivo disso. Eu quero ouvir o que há com vocês.”
Autoria do Post: Josy Loos
Tradução: Stefani Banhete
Fontes: @MichaelCragg e The Guardian
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