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08jun2018
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[REVIEW] Blitz: No espetáculo dos Queen com Adam Lambert há espaço para todos brilharem: até Freddie Mercury, na memória e no ecrã (Lisboa, 07/06)
No espetáculo dos Queen com Adam Lambert há espaço para todos brilharem: até Freddie Mercury, na memória e no ecrã Por Lia Pereira
A Altice Arena, em Lisboa, assistiu esta quinta-feira a uma comovente demonstração de carinho, por parte do público português, pela realeza do rock britânico. O norte-americano Adam Lambert continua a viver o sonho, Brian May tirou selfies para mais tarde recordar
Um espetáculo como aquele que Brian May e Roger Taylor têm oferecido aos fãs de Queen, ao longo dos últimos seis anos, comporta vários riscos. Talvez o mais evidente seja o de alienar todos aqueles para quem a substituição de Freddie Mercury por qualquer cantor representa um ultraje; outro será o de dosear mal o protagonismo de quem está em palco; outro ainda, o de transformar o concerto num espetáculo demasiado saudosista e ancorado no passado. Felizmente, todos estes perigos são habilmente contornados por estas velhas raposas (um elogio, até porque Brian May se dedica à defesa daqueles nobres animais), que dois anos depois de passarem pelo Rock in Rio aterraram na Altice Arena para, numa noite chuvosa, fazerem as delícias dos fãs portugueses durante duas horas.
Vivendo o sonho de cantar com os Queen desde 2012, Adam Lambert conhece o seu papel e não procura ofuscar os companheiros de palco: Brian May, porventura o mais humilde dos guitar heroes da sua geração, Roger Taylor, na bateria e na voz de algumas canções, e todos os músicos que permanecem anônimos até, no final, serem apresentados com carinho.
De calças aos quadrados negros e rosa, de coroa e fato prateado ou montado numa bicicleta, Adam Lambert é, naturalmente, o centro das atenções sempre que assim é desejável. Empenhando-se a fundo tanto na prestação vocal como na teatralidade, é uma figura cativante e claramente uma ótima escolha para esta empreitada de, nas suas próprias palavras, “celebrar os Queen e o Freddie”. Mas, como também nos dirá, o norte-americano (que às vezes o é em demasia, como quando após ‘Fat Bottomed Girls’ pergunta se há “fat bitches” na sala) não está ali para imitar o inimitável, mas sim para honrar a sua herança. E, ao não se colar em demasia ao seu estilo, vocal e visual, faz assim um bom trabalho na fuga ao espectro da banda de homenagem.
No primeiro concerto desde março, altura em que haviam atuado na Austrália e Nova Zelândia, os Queen e Adam Lambert introduziram algumas mudanças no alinhamento, que arrancou ao som de ‘Tear It Up, ‘Seven Seas Of Rhye’, ‘Tie Your Mother Down’ e ‘Play The Game’. O manifesto ‘We Will Rock You’, que abrira os concertos do início do ano, ficou para o final, e foi com a sequência ‘Killer Queen’ (cantada por Adam Lambert em cima de uma réplica do robô da capa de “News Of The World”, álbum cujo 40º aniversário serve de pretexto à digressão), ‘Don’t Stop Me Now’ e ‘Bicycle Race’ que chegaram as maiores explosões de alegria de um público sempre efusivo (nas bancadas, explodiu a certa altura uma discussão entre duas fãs, que amiúde se levantavam para dançar, e um espectador sentado, incomodado com o facto de as ditas movimentações lhe tirarem visibilidade para o palco. “Se for para ficar sentada, vou à missa!”, repetia irada uma das ‘acusadas’, e tudo ficou na mesma).
Do grande palco, encimado por ecrãs onde se viam em pormenor os três maiores protagonistas do serão, saía uma passarela, ou lingueta, na qual todos tiveram direito a brilhar: Adam Lambert, claro está, entertainer por natureza, em qualquer palco como peixe na água, mas também Roger Taylor, que virá tocar bateria mais perto do público e, no fim da noite, se envolverá numa “batalha” com o segundo baterista, Tyler Warren, saído da penumbra para um duelo acalorado, e Brian May. Aos 70 anos (faz 71 em julho), o guitarrista e astrofísico acaba por estar no centro de alguns dos momentos mais emocionantes da noite. Quando pela primeira vez avança pela dita passarela e o público lhe dispensa uma gigantesca ovação, não há como escapar ao arrepio. Num raríssimo equilíbrio entre virtuosismo e modéstia, ou pelo menos discrição, Brian May é uma joia rara desta coroa de nome Queen, e Adam Lambert sabe como entregar-lhe o protagonismo, que tão timidamente o veterano agradece.
Sozinho com uma guitarra acústica, na ponta da lingueta, Brian May foi também comovente a cantar ‘Love Of My Life’, com o público, embevecido, a acompanhá-lo no enorme coro. “Are you ready?” [Estão prontos?], pergunta a certa altura, e esta que vos escreve confessa que não, não estava pronta para, de repente, ter Freddie Mercury no ecrã gigante, numa espécie de dueto virtual com o seu velho amigo. Há quem defenda que o futuro dos espetáculos ao vivo passa por aqui e pelas turnês com hologramas, e não há dúvida que, por muito estranha que a ideia possa parecer, esta noite o público exultou com a possibilidade de aplaudir Freddie Mercury em Lisboa. Mais à frente, no bis, voltaríamos a vê-lo, na sua jaqueta amarela, a convidar os fãs a cantar com ele, antes da despedida com os pesos pesados ‘We Will Rock You’ e ‘We Are The Champions’, sob uma chuva de confetes.
Ao longo de duas horas, a tónica esteve sempre na ideia de celebração: celebrar um legado (as canções de um dos maiores catálogos de êxitos pop-rock das últimas décadas), celebrar Freddie Mercury, celebrar a ligação entre músicos e assistência, com Brian May a usar um selfie stick para se fotografar, sempre sorridente, com a plateia e as bancadas atrás, repletas de fãs satisfeitos.
Sob feixes de luzes coloridas, ‘Who Wants To Live Forever’ também ganhou lugar entre as memórias mais tocantes desta noite, pelo equilíbrio entre o pudor inicial – com os músicos invisíveis, no palco apagado – e o épico final, numa arrebatada e certeira interpretação de Adam Lambert.
Até ao final deste reencontro com o público português houve ainda tempo para ‘The Show Must Go On’, ‘Under Pressure’, ‘Radio Ga Ga’ ou o incontornável clássico ‘Bohemian Rhapsody’. Tudo conseguindo evitar o registo de banda de versões ou de noite de karaoke – é obra.
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